Justiça Ambiental não é o assunto mais socialmente debatido, mas é um direito fundamental como qualquer outro, apesar de muitas pessoas não terem noção do que ele é.
Pessoas protestando por justiça racial. Fonte: The Inclusion Solution
Quando o português chegou
debaixo duma bruta chuva
vestiu o índio
Que pena!
fosse uma manhã de sol
o índio tinha despido o português
(Erro de português, Oswald de Andrade)
Erro de Português é um poema de Oswald de Andrade, com um título muito irônico, fala da vinda dos colonizadores ao Brasil. Paralelamente, a bruta chuva que chegou junto com os portugueses é a que ainda está presente e nos faz debater sobre justiça ambiental.
Esse movimento nasceu da observação de que diversos recursos naturais estão cada vez mais escassos e isso afeta pessoas de modo desigual e injusto. A princípio, o ecossistema e as questões sociais parecem ser duas coisas diferentes, mas na realidade a relação entre sociedade e natureza pode refletir desigualdades políticas ou econômicas, porque normalmente onde ocorre degradações ambientais vivem comunidades negras, grupos indígenas e população com menor renda. Logo, a justiça ambiental tem o objetivo de assegurar que ninguém, independente da raça, classe e etnia, seja prejudicado.
O conceito originou-se nos Estados Unidos, quando o estado do Texas autorizou a instalação de descarte de resíduos orgânicos (resto de animais, vegetais e outros) em um distrito de classe média negra, também foi visto que 80% da tonelagem desse lixo era colocado em bairros com alta população preta.Assim, na década de 90 criou-se uma união entre 20 pesquisadores para pressionar o governo do EUA regulamentar casos de injustiça ambiental. No Brasil, existiram diversas situações onde a justiça ambiental não foi respeitada, mas há pouco estudo e publicidade sobre ela.
O racismo ambiental coincide com as desigualdades ambientais ?
O termo racismo ambiental foi alvo de críticas e questionamentos pelo governo Bolsonaro em 2021, sendo essa mais uma grave tentativa de abafamento e negação das expressões do racismo em nosso país. Mas, você sabe quais as implicações das pautas sociais na questão ambiental e por que devemos nos preocupar com comentários negacionistas? Iremos discutir um pouco sobre isso nesse post.
Mesmo que as questões ambientais tenham sido bastante debatidas nas últimas décadas, é muito provável que grande parte da população ainda não tenha acesso direto ao debate dessas questões, e muito menos tenha conhecimento de termos usados no meio e das vertentes dessas discussões. Inicialmente, é preciso compreender que essa parte conceitual da questão ambiental não é simplesmente teoria e enfeite. Foi necessário muita pesquisa, escrita, informação e sobretudo vivências para que se chegasse a determinadas conclusões.
Não é dito que os recursos naturais vão acabar por que “foi revelado a alguém em sonho”, pelo contrário, ano após ano tem se feito muito esforço para que possamos chegar mais perto de uma previsão correta das coisas que estão por vir e dos efeitos das nossas atitudes. Logo, o conhecimento teórico é base fundamental para a aplicação de qualquer medida e contribui para que elas sejam mais eficazes. Assim como as “previsões do futuro” nos mostram as possíveis realidades próximas, é necessária também a análise de eventos passados, e como isso reflete no presente e como influenciará no futuro, afinal os contextos hoje vistos não são coincidência, há sempre uma origem para qualquer coisa.
Então, para compreender as desigualdades torna-se necessário olhar para as estruturas que foram estabelecidas na fundação do país, buscando perceber como, eventos tão distantes influenciam no desequilíbrio de acesso, à educação, saúde, bem estar e qualidade de vida.
O conceito de racismo ambiental,é bastante recente e surgiu quando foi observado que não só o impacto e recebimento das consequências da exploração não eram divididas da mesma forma, como também, a participação de determinados grupos em tomadas de ações era nula ou quase inexistente, muitas vezes em ações que influenciaram a vida desses indivíduos diretamente. Isso pode ser observado nas relações dentro dos países e na comparação entre países distintos.
Benjamim Chaves. Lider do movimento negro norte americano criador do termo. Foto: Wikimedia. |
Em resumo, o termo racismo ambiental pode ser entendido primeiramente como uma manifestação do racismo em outras esferas sociais, é uma visão clara e direcionada da injustiça ambiental, é mais específica até porque consegue perceber aqueles grupos que serão mais afetados. Depois, o termo também traz a compreensão de que não há uma divisão equilibrada de participação e acesso. Assim o racismo vai servir como muleta para a normalização do descaso e exploração em busca do progresso.
O termo é um direcionador importante, pois demonstra que o debate ambiental deve ultrapassar as paredes do pensamento de recurso e esgotamento, para compreender como as relações estruturais sociais serão afetadas com cada mudança limpa e sustentável. Queremos construir um mundo de sustentabilidade exclusivamente eurocêntrica? Ou um futuro garantido apenas aos brancos ? Quando países, grupos e etnias são minimizadas em quaisquer processos assumimos a ideia de que vidas não têm o mesmo valor.
O Brasil tem a marca de continuar negando a existência e persistência de racismo e suas expressões. O atual governo, tempos antes da COP 26 (A conferência da ONU para debater mudanças climáticas)em uma reunião com um conselho de direitos humanos da onu rejeitou a existência do conceito ‘racismo ambiental”, vale lembrar que o termo foi até utilizado em um relatório da onu, a qual tinha citação críticas ao Brasil quanto às divisões de terras quilombolas- grupo que sofre diretamente por não terem seus territórios demarcados. O debate desse assunto torna-se hoje mais que necessário, pois é uma preocupação as tentativas de silenciamento desses temas, por meio de representantes oficiais, que mantém o negacionismo e não tentam compreender as questões raciais que afetam os brasileiros. Não haverá progresso enquanto as políticas e medidas não se adequem e não levem em consideração as desigualdades sociais e as realidades de cada grupo.
Combater as injustiças ambientais é também parte do processo da luta racial, é necessário uma mudança de visão e melhoria na compreensão daquilo que realmente importa. Acima de tudo é preciso fortalecer nossos conhecimentos, para cobrar medidas que assumam aquilo que o governo nega!
Referências:
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https://www.ecycle.com.br/racismo-ambiental/>Acesso 18/05/2022
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PRIZIBISCZKI, CRISTIANE. “Movimentos negro e indígena pedem que STF inclua questões de raça em julgamento de litígio climático”. Disponível em:<https://oeco.org.br/noticias/movimentos-negro-e-indigena-pedem-que-stf-inclua-questoes-de-raca-em-julgamento-de-litigio-climatico/>
Acesso: 22/05/2022
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Acesso: 23/05?2022
Uneafro Brasil. “NEGAR O RACISMO AMBIENTAL É MAIS UMA PRÁTICA COMUM DO GOVERNO RACISTA DE JAIR BOLSONARO” Disponível em: < https://uneafrobrasil.org/negar-o-racismo-ambiental-e-mais-uma-pratica-comum-do-governo-racista-de-jair-bolsonaro/>
Acesso: 23/ 05/2022
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